A janela
Uma das janelas de Calvino, a com melhor vista para a rua, era tapada por duas cortinas que, no meio, quando se juntavam, podiam ser abotoadas. Uma das cortinas, a do lado direito, tinha botões e a outra, as respectivas casas.
Calvino, para espreitar por essa janela, tinha primeiro de desabotoar os sete botões, um a um. Depois sim, afastava com as mãos as cortinas e podia olhar, observar o mundo. No fim, depois de ver, puxava as cortinas para a frente da janela, e fechava cada um dos botões. Era uma janela de abotoar.
(...)
Daquela janela o mundo não era igual.
Gonçalo M. Tavares, in O Senhor Calvino
A colher
Para treinar os músculos da paciência, o senhor Calvino colocava uma colher de café, pequenina, ao lado de uma pá gigante, pá utilizada habitualmente em obras de engenharia. A seguir, impunha a si próprio um objectivo inegociável: um monte de terra (50 quilos de mundo) para ser transportado do ponto A para o ponto B – pontos colocados a 15 metros de distância um do outro.
(…) E Calvino utilizava a minúscula colher de café para executar a tarefa de transportar o monte de terra de um ponto para outro (…)
(…) Calvino sentia estar a aprender várias coisas grandes com uma pequenina colher.
Gonçalo M. Tavares, in O Senhor Calvino